Fortuna Critica

Dúvidas em definição



Carlos André Moreira
Zero Hora (Porto Alegre, 18/05/2010)

Há uma leve diferença entre a dúvida e a indefinição: a dúvida tem, ao menos, as opções entre as quais o sujeito se debate, enquanto que a indefinição é uma incapacidade de perceber sequer a natureza do que acontece. Apesar do título, Três Dúvidas, reunião de três novelas que o escritor Leonardo Brasiliense autografa hoje, às 19h, na Livraria Cultura, o livro aborda, em cada uma das histórias, pesadas indefinições – entre passado e presente e entre realidade e loucura.

Três Dúvidas, sua estreia na Companhia das Letras, é o sexto livro de Brasiliense, cujo trabalho transita entre obras para adultos e para jovens, mas permanece fiel à forma breve. As novelas de Três Dúvidas são seus exercícios mais longos na narrativa em prosa, mas não abandonam a estrutura formal episódica do conto: suas histórias são seccionadas em partes menores, servindo elas próprias como um elemento de indefinição entre o conto longo e a novela curta – um eco na forma do que o escritor trata no conteúdo.

Na primeira novela, Um Dia em Comum, a narrativa acompanha o que se passa na jornada diária de um casal. Ele é um corretor de seguros aposentado que passa seus dias em casa, perseguido por uma ideia obsessiva de que sua vida foi inútil. Ela, uma recepcionista em um consultório médico que, procurada por um ex-namorado, passa a temer que os 20 anos que passou casada tenham sido um erro.

Na segunda, um jovem viaja a Porto Alegre com a missão de apanhar a irmã de um colega moribundo, que vem acompanhar os últimos momentos do irmão. Ao fazer um desvio por uma relojoaria, ele mergulha em uma espiral de loucura na qual é difícil perceber o que é real e o que é delírio. Situação semelhante à de Marcos, jornalista que, de posse de um furo de reportagem, dirige-se para a redação em seu carro e é engolido por um nevoeiro que turva-lhe não só a visão mas a realidade.

Escritas com uma atenção às lembranças de seus protagonistas, as novelas de Três Dúvidas deixam elas próprias uma indefinição para o leitor: se criamos o mundo ao interpretar a realidade, o que sobra dele quando temos mais a capacidade de reconhecê-la?

 

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